7 de jul. de 2008

A ARTE DE GUILHERME RICARDO DICKE

A arte de Ricardo Dicke
Chega ao público o décimo livro de Ricardo Dicke, o escritor mais premiado e erudito de Mato Grosso Lorenzo FalcãoDa EditoriaEle não faz concessões e escreve torrencialmente. Descarrega sua inspiração de forma autoral encurralando leitores contra as paredes de seus respectivos conhecimentos. É capaz de saltar de narrativas vertiginosas que nos fazem lembrar dos filmes de Quentin Tarantino, seara onde predomina a ação, para uma prosa mais filosófica cheia de parábolas e referências eruditas, num estilo que se assemelha à própria Bíblia. Assim é Ricardo Guilherme Dicke, escritor completo e complexo. Mato-grossense. Que enche de orgulho o povo desta terra. Que leva o nome deste estado a projetar-se nacional e internacionalmente, volta e meia, pontuando na mídia através de suas proezas literárias. E isso já dura quase quatro décadas. Nascido na localidade de Raizama, município de Chapada dos Guimarães, uma corrutela que provavelmente sucumbiu às águas da Usina de Manso, Ricardo lança hoje à noite, a partir das 19:00, no Museu da Imagem e do Som de Cuiabá – Misc, sua décima obra: “Toada do Esquecido & Sinfonia Eqüestre”, dois contos longos com sabor de novelas. Uma bela oportunidade aos leitores menos acostumados à erudição para penetrar no universo dickiano, já que são textos mais curtos e que irão requerer menos esforço para a leitura, considerando que a maioria de seus títulos ultrapassa as 300 páginas. Há que se registrar as distinções entre as duas narrativas que foram escritas em épocas diferentes. “Toada do Esquecido” é mais antigo. Deve ter sido escrito há mais ou menos 15 anos, senão mais do que isso. O próprio autor não se lembra exatamente. Um grupo de bandidos comete um crime e foge pelo sertão cerrado mato-grossense numa Kombi velha. Personagens grotescos, caricatos, protagonizam diálogos e situações extravagantes e vão revelando o teor de suas almas perdidas a desbravar os limites do comportamento humano, demasiado humano. Já “Sinfonia Eqüestre”, escrito há aproximadamente dois anos, revela a literatura de Dicke mais pautada no gesto filosófico, mas de intensa dramaticidade, com o enredo se desenvolvendo praticamente num ambiente familiar. Mas é querer muito e dizer pouco qualquer tentativa de dissecar com exatidão o estilo e a estrutura narrativa deste autor genial, mesmo que o objeto literário em questão – que é o caso, não provenha de escritos quilométricos como Dicke costuma praticar. Escritos que partem da sua singular experiência de vida e também da sua bagagem cultural vasta onde, além de literatura e filosofia, registra-se o conhecimento de línguas como inglês, alemão, francês, italiano e espanhol, além de português. Pacato e solitário é seu cotidiano no bairro Coophema, região do Coxipó. Mora com a esposa Adélia, a filha Ariadne e os netos Larissa e Cleiton. Costuma receber visitas de uns poucos amigos com quem compartilha seus assuntos e sua brilhante criação literária que já alimentou peças teatrais e até um documentário, exibido em rede nacional de televisão e que teve como ponto de partida seu romance “Cerimônias do Esquecimento”. Outro livro seu, “O Salário dos Poetas”, foi adaptado para o teatro e encenado em Portugal ano passado. Esse mesmo espetáculo, com algumas alterações, foi apresentado há poucos dias num festival de teatro em Florianópolis (SC). “Tudo que envolve Dicke dá certo e é sucesso”, disse certa vez o cineasta Bruno Bini. Artistas como Romeu Lucialdo, Amauri Tangará e Eduardo Ferreira, entre outros, que o digam. Apesar de ter pendurado seus apetrechos das artes plásticas – ele já mostrou muito talento entre cores e traços, está sendo arquitetada, ainda para este ano, uma exposição de suas obras que estão espalhadas por aí e também em sua casa. Gervane de Paula é quem está por trás dessa empreitada. Dicke lembra-se orgulhoso e saudoso de uma exposição que fez, em 1965, no antigo Grande Hotel (hoje Secretaria de Estado de Cultura), antes de chafurdar quase que radicalmente na linguagem literária. “Vendi todos os quadros e ganhei um bom dinheiro, com o qual, comprei uma chácara”, rememora o artista. Há um projeto novo, desafiador, que também anda balançando o coração de Ricardo e que envolve o maestro Leandro Carvalho, da Orquestra de Câmara de Mato Grosso: escrever um libreto para uma ópera. Mas isso ainda está numa fase, digamos, pré-embrionária. Literatura – Quase todos os seus livros conquistaram prêmios nacionais de expressão. Mas sua estréia com “Deus de Caim”, em 1968, foi retumbante. Ele havia enviado dois títulos para um concurso que tinha como jurados nada mais nada menos que Guimarães Rosa, Jorge Amado e Antônio Olinto. “Dicke se apresentara ao concurso: Deus de Caim e Décima Segunda Missa. Ambos muito bons. O primeiro nos pareceu mais bem realizado. Rosa falou de sua força envolvente, de sua impetuosidade vocabular. Jorge Amado realçou sua narrativa, sua coragem de narrar sem recursos falsamente literários. Ficamos, os três, certos de que ali estava um romancista de tipo novo, um homem capaz de abalar nossa ficção”, escreveu Olinto ao prefaciar o título de estréia de Dicke. “Toada do Esquecido & Sinfonia Eqüestre” chega ao público através de ótima estratégia envolvendo as editoras Cathedral Publicações e Carlini Caniato. “Cabe ao leitor o deleite de se embrenhar na obra deste ser(tão) fantástico que é Ricardo Guilherme Dicke”, escreve na orelha do lançamento, Cristina Campos, responsável pela preparação e revisão do livro. Para os amantes da sofisticada escrita de Dicke, que já foi apontado por Hilda Hilst como um dos principais autores brasileiros de todos os tempos, ao lado de Guimarães Rosa e Machado de Assis, outras boas notícias literárias se avizinham. Estão sendo preparados para reedições mais dois títulos do mato-grossense: “Madona dos Páramos” e “Deus de Caim”. É bom, mas ainda é pouco e o universo da materialização literária vai continuar devendo a Ricardo Guilherme Dicke edições de obras inéditas engavetadas e amareladas na memória do autor. “Orkos”, “Como o Silêncio”, “A Décima Segunda Missa” e “Epifanias”, entre outros, ainda hão de ser pauta para mais e melhores peripécias editoriais.
Edição nº 11609 05/09/2006 Diário de Cuiabá

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